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Cultura

Padre esquerdista Júlio Lancellotti recebe passe de mãe de santo: “Ogum lhe guarde”


Padre esquerdista Julio Lancellotti surpreende ao receber passe ritual de mãe de santo em Belém, declarando “somos irmãos” e gerando intenso debate nas redes.


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Padre Júlio Lancellotti

Religioso católico conhecido por seu trabalho social protagoniza momento de diálogo inter-religioso que acende debate sobre os limites entre respeito à diversidade e sincretismo.

Tradições que se Cruzam nos Bastidores da TV

Foi um daqueles momentos que capturam perfeitamente a complexidade religiosa brasileira. Nos bastidores do programa “Sem Censura Pará”, da TV Cultura paraense, o Padre Julio Lancellotti – figura já controversa no cenário nacional – protagonizou uma cena que rapidamente se espalhou pelas redes sociais: recebeu um passe espiritual de Mãe Juci de Oyá, respeitada sacerdotisa de religião de matriz africana.

O encontro, ocorrido na última terça-feira (25) em Belém, não foi apenas um gesto espontâneo, mas carregou simbolismos profundos em um país onde diferentes tradições religiosas frequentemente coexistem em fronteiras tênues entre conflito e harmonia.

Folhas da Amazônia e Bênçãos Cruzadas

A cena em si foi breve, mas carregada de significados. Com a naturalidade de quem realiza um ritual sagrado, Mãe Juci utilizou elementos profundamente simbólicos para as religiões afro-brasileiras: folhas nativas da Amazônia e água em um simples pote de barro. Suas palavras mesclaram tradições que historicamente se entrelaçaram no Brasil:

“Que Ogum lhe proteja e guarde. Que o Senhor sempre leve essa palavra, essa força por onde o senhor andar. Que seja sempre protegido com as armas de Ogum, que é São Jorge”, pronunciou a sacerdotisa, exemplificando em tempo real o sincretismo que conecta o orixá guerreiro Ogum à figura católica de São Jorge.

Não por acaso, ela finalizou com uma referência à padroeira da região: “Nossa Senhora de Nazaré sempre lhe guarde” – uma ponte direta com a tradição católica tão presente na capital paraense, onde o Círio de Nazaré mobiliza milhões de fiéis anualmente.

O que surpreendeu muitos observadores foi a resposta do padre. Longe de demonstrar desconforto, Lancellotti respondeu com um “amém” e foi além: “Como é bonito que as religiões de matriz africana tenham reverência à Nossa Senhora de Nazaré”, observou, antes de evocar um exemplo histórico de diálogo inter-religioso:

“Somos irmãos, filhos do amor… e não podemos aceitar a violência”, concluiu, após lembrar a amizade entre Irmã Dulce (hoje santa católica) e Mãe Menininha do Gantois (uma das mais respeitadas ialorixás da história do candomblé brasileiro).

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Uma Sociedade Dividida Entre Aceitação e Rejeição

Como um termômetro da polarização religiosa no Brasil contemporâneo, as reações nas redes sociais não demoraram a aparecer, dividindo-se em campos bem definidos:

  • Os defensores do diálogo: Viram no gesto um exemplo necessário de respeito mútuo em tempos de crescente intolerância religiosa
  • Os guardiões da tradição: Consideraram o ato uma diluição inaceitável da fé católica e uma confusão teológica
  • Os estudiosos do fenômeno religioso: Apontaram como o episódio reflete a complexa formação religiosa brasileira, onde fronteiras doutrinárias frequentemente se borram

Entre os comentários mais representativos nas redes sociais, a divisão ficou evidente:

“Respeitar outras religiões não significa misturar crenças ou relativizar a fé católica”, argumentou um católico tradicionalista, expressando preocupação com o que considera sincretismo indevido.

“De acordo com os ensinamentos da santa Igreja, esse padre aceita o que é considerado como pecado mortal”, criticou outro, refletindo uma visão mais ortodoxa do catolicismo.

Na outra ponta do espectro, muitos celebraram: “Em um país onde terreiros são atacados e fiéis de religiões afro-brasileiras sofrem discriminação, ver um padre católico demonstrando respeito é revolucionário.”

Padre Júlio Lancellotti

Além da Polêmica: O Que Este Momento Realmente Significa?

O que representa um “passe” nas religiões de matriz africana?

Mais que um simples gesto, o passe é um ritual de purificação e proteção espiritual nas tradições afro-brasileiras. Envolve a canalização de energias positivas através de elementos naturais como folhas, água e movimentos específicos, visando afastar influências negativas e fortalecer espiritualmente quem o recebe – algo que, para praticantes dessas religiões, transcende fronteiras doutrinárias.

A postura do padre contraria os princípios católicos?

Esta pergunta não tem resposta simples. O Concílio Vaticano II (1962-1965) abriu caminhos para o diálogo inter-religioso, mas manteve limites quanto à participação em rituais não-católicos. Como me explicou certa vez um teólogo: “Existe uma diferença sutil entre respeito mútuo e sincretismo doutrinal – e essa linha nem sempre é clara para todos os fiéis.”

Um Brasil de Muitas Fés e Um Único Povo

O breve encontro entre Padre Julio Lancellotti e Mãe Juci de Oyá nos bastidores de um programa de TV paraense é mais que uma curiosidade midiática – é um microcosmo da complexa tapeçaria religiosa brasileira. Em um país formado pelo entrelaçamento (nem sempre pacífico) de tradições europeias, africanas e indígenas, momentos como este revelam tanto nossas tensões quanto nossas possibilidades de diálogo.

Para além das interpretações teológicas, o episódio nos convida a uma reflexão sobre como podemos construir uma sociedade onde diferentes crenças coexistam com respeito mútuo, sem necessariamente abdicar de suas particularidades. Como disse certa vez o antropólogo Darcy Ribeiro, “o Brasil é um caldeirão cultural que ainda está cozinhando sua identidade.”

Enquanto o debate sobre os limites do ecumenismo continua, vale lembrar as palavras do próprio Padre Julio naquele momento: “Não podemos aceitar a violência” – talvez o ponto de convergência mais importante entre todas as tradições espirituais autênticas, independentemente de suas diferenças rituais e doutrinárias. [INSERIR LINKS]


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