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Justiça

“Estão se vingando dessa moça”, disse Barroso sobre juíza Gabriela Hardt que condenou Lula na Lava Jato


Embate do presidente do STF e do CNJ com corregedor Luís Felipe Salomão, que agora acusa Gabriela Hardt, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, é fundamental para a compreensão dos fatos


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Embate do presidente do STF e do CNJ com corregedor Luís Felipe Salomão, que agora acusa Gabriela Hardt, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, é fundamental para a compreensão dos fatos

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (à direita, de costas, na foto), afirmou no plenário do Conselho Nacional de Justiça, em sessão de 20 de fevereiro sobre uma representação contra a juíza Gabriela Hardt, ex-substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato, que “estão se vingando dessa moça”.

O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, com quem Barroso teve um embate naquele dia, decidiu na segunda-feira, 15 de abril, no âmbito da correição extraordinária que instalou na 13ª Vara e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinar o afastamento cautelar de Gabriela, outro juiz e mais dois desembargadores do TRF-4 de suas funções, embora ele não tenha competência constitucional para punir, só para apurar. O tribunal de segunda instância costumava manter decisões da primeira, e eventualmente até aumentar as penas impostas, como fez, por unanimidade, nas condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.

As acusações vazadas nesta terça, 16, atingiram também Moro e o ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol, como se verá no final desta análise.

Petrobras

O CNJ, órgão também presidido por Barroso, deliberava em fevereiro sobre a reclamação feita pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e outros petistas, acerca da decisão da então juíza substituta de primeira instância de homologar um acordo firmado entre a Petrobras e o Ministério Público Federal. O Conselho já tinha 8 votos proferidos no plenário virtual pelo arquivamento, feito inicialmente em 2019 pelo então corregedor Humberto Martins, que não havia identificado irregularidades na conduta de Gabriela.

Mas Salomão, aliado que Alexandre de Moraes queria emplacar no STF por indicação de Lula, buscava impedir no plenário físico esse arquivamento, citando uma decisão monocrática do próprio Moraes, tomada no âmbito de uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual o ministro do Supremo considerou inconstitucional o acordo anterior à decisão da juíza e atacou o MPF, não Gabriela, pela proposta de criação de fundo privado para gerir recursos de multas.

“Foi na correição que se cruzaram elementos. Eu verifiquei, na Vara, uma situação caótica de gestão de recursos”, disse Salomão no plenário do CNJ, usando a mesma expressão genérica de seu relatório preliminar, vazado à imprensa amiga. “É preciso saber quem gerou essa situação. E isso não tem nada a ver com combate à corrupção. Cada um faz o seu papel, o meu é verificar se os juízes agiram adequadamente. E a primeira impressão que eu tive foi que a gestão era caótica. E que tem 700 milhões [de dólares] que se queiram destinar a uma fundação privada.”

“Corrupção”

Ele concluiu sua manifestação com uma acusação genérica ainda mais grave, que já indicava sua intenção de atribuir à juíza o crime de corrupção privilegiada ou passiva (como faria em abril, mesmo que elencando ambos como “possíveis desdobramentos criminais interdependentes” do tipo penal “peculato-desvio”, cometido “em tese”):

“Não parece razoável que, a pretexto de se combater corrupção, se pratique corrupção.”

O corregedor havia entrado com questão de ordem para anular os 8 votos anteriores, alegando que os conselheiros não estavam cientes do conteúdo da decisão de Moraes, o que Barroso desmentiu logo em seguida, expondo a cronologia dos fatos.

Bola no chão

O presidente do STF e do CNJ então colocou a bola no chão: enfatizou a natureza dos acordos celebrados nos Estados Unidos e no Brasil, apontou suas finalidades, confrontou ilações sobre a questão da fundação privada e explicou o ponto de imbróglio jurídico, frisando que a decisão tomada no STF contra a parte brasileira foi individual.

“Houve dois acordos: um internacional, depois um doméstico, de destinação do dinheiro. No conjunto, acordos celebrados entre o MP, a Petrobras, o Departamento de Defesa dos EUA e a Securities and Exchange Comission [SEC] nos EUA, pelo qual a Petrobras deveria pagar, nos EUA, uma multa e uma indenização no valor de 853 milhões e 200 mil dólares. Esse foi o conjunto de fatos. Esse foi o acordo. Ficou ajustado que 80% desse valor, em lugar de ser efetivamente pago ao Departamento de Defesa e à SEC nos EUA, seria investido no brasil. Portanto, em vez de esse dinheiro ir para fora do Brasil, convencionou-se que 80% viria para o Brasil.

Esses 682 milhões 560 mil dólares que vieram para o Brasil em vez de ficarem nos EUA foram divididos em duas partes: metade ficaria numa conta judicial para pagamento de multas e indenizações e a outra metade seria destinada à finalidade de utilidade pública. Para essa destinação de finalidade pública, foi criada uma fundação que destinaria esse dinheiro, de acordo com a previsão expressa, para promoção de direitos que são afetados pela corrupção, como o direito à saúde, à educação, ao meio ambiente, à proteção daqueles em situação de vulnerabilidade social e à segurança.

Portanto, em nenhum momento se imputou a destinação desse recurso para interesse privado de quem quer que fosse, nem desvio de dinheiro para quem quer que fosse. A imputação aqui e a discussão que depois foi reconhecida na ADPF é a existência de impropriedade na criação de uma fundação privada para atender a esses interesses públicos. Portanto, a anulação se deu essencialmente pela compreensão de que esse dinheiro deveria ter entrado no Tesouro, e não numa fundação privada, com conta na Caixa Econômica Federal, cujo dinheiro jamais foi movimentado. Portanto, é desse acordo e desse contexto fático que estamos falando.

O STF entendeu, em decisão monocrática, que a criação de uma fundação privada para gerir dinheiros para uma finalidade pública não deveria ter entrado na conta de uma fundação privada na CEF e, sim, no Tesouro Nacional. Esse acordo foi apresentado pelo MPF junto à Petrobras, com o acordão-mãe celebrado no Departamento de Defesa e na SEC (dos EUA), para homologação da juíza da 13ª Vara Federal, uma juíza substituta.”

“Não estão relacionadas com essa moça“

Barroso apontou o que ele considera “coisas que aconteceram erradas” no âmbito da Lava Jato, “mas que não estão relacionadas com essa moça, com essa juíza, que é a requerida nessa revisão criminal”.

“Quais são as imputações que foram feitas a essa senhora? A primeira, a de incompetência: uma juíza com competência criminal não poderia ter homologado um acordo de natureza cível. É essa a imputação! A segunda: o acordo seria inconstitucional. Essas são as duas imputações envolvidas nessa revisão criminal. Não tem outra!

Como se deu o andamento desse processo?A Corregedoria do TRF-4, diante da representação quando lá chegou, considerou se tratar de ato jurisdicional a homologação de um acordo celebrado pelo Ministério Público Federal. Não é nem uma parte privada, é o MPF, com a presunção de legitimidade dos atos do MPF! E, portanto, ela homologa um acordo trazido pelo MPF. E, portanto, mesmo que tivesse errado o acordo, o TRF-4 considerou acertadamente que esse era um ato jurisdicional e, portanto, fora da esfera de competência do CNJ de puni-la por um ato jurisdicional. No dia que esse Conselho passar a punir juiz por ato jurisdicional, nós vamos criar uma magistratura intimidada, amedrontada, sem coragem de enfrentar a corrupção e o poder, inclusive o poder político!

Dessa decisão de arquivamento, foi interposta esta revisão disciplinar para este Conselho. E o corregedor-nacional de Justiça na ocasião, ministro do STJ Humberto Martins, arquivou sumária e monocraticamente a revisão pela razão óbvia de que se tratava de um ato jurisdicional. Dessa decisão, os autores recorreram. Foi para a corregedora que já havia substituído Humberto Martins, a eminente Maria Thereza Assis Moura, duríssima em matéria penal! Sua Excelência examinou a matéria, levou o recurso para o plenário virtual e votou pelo arquivamento, pela manutenção da decisão de arquivamento! Fez isso na sessão de 22 de outubro de 2021 e a cronologia aqui não é desimportante. (…) Foi acompanhada por 7 outros conselheiros (…)”.

Manobras processuais

Barroso, então, passou a criticar as manobras processuais para atrasar o julgamento.

“Depois do oitavo voto, o eminente conselheiro Luiz Fernando Bandeira pediu vista, suspendendo o julgamento e devolveu os autos no prazo regimental.

Em 20 de dezembro de 2021, um conselheiro que já não integra esse Conselho pediu destaque para transferir do plenário virtual para o plenário presencial. Esse foi o primeiro momento de adiamento desse caso. Em seguida, veio o recesso. Sua Excelência teve todo o recesso para preparar o seu voto. Dois meses depois, ele não havia conseguido preparar o voto e pediu vista do processo do qual havia pedido destaque. Não é comum. Um mês e meio depois, em 25 de março de 2022, o mesmo conselheiro, sem ter devolvido a vista, pediu prorrogação da vista. Cerca de dois meses depois, o mesmo conselheiro que estava com a vista desde o ano passado [o ano anterior, na verdade: 2021] pediu destaque – não votou – para que o processo voltasse ao plenário. Isso em 13 de maio de 2022 e, portanto, já se passaram três meses com esse processo cozinhando. Cerca de um ano e meio depois, em 21 de setembro de 2023, um conselheiro deixou o tribunal sem apresentar voto, de modo que esse processo ficou retido e paralisado para julgamento quando já estava 8 votos a zero. Uma evidente manipulação do Conselho e da jurisdição para impedir a conclusão do julgamento. Eu estou narrando fatos objetivos. Não vou adjetivar. Mas cada um fará a interpretação que lhe parece melhor. Mas claramente algo incomum aconteceu aqui. Esses são os fatos e o andamento processual.”

Relações

O conselheiro que deixou o CNJ em 21 de setembro de 2023, segundo o site do Conselho, foi Mário Henrique Aguiar Goulart Riberio Nunes Maia.

O advogado é filho de um ministro do STJ conhecido pela posição firme, sempre em defesa dos políticos, Napoleão Nunes Maia, que orbita na esfera de influência do alagoano Renan Calheiros (MDB-AL) e que chegou ao tribunal com apoio do conterrâneo Cesar Asfor Rocha, ambos alvos da Lava Jato. O sobrinho de Napoleão, juiz Luciano Nunes Maia Freire, já havia sido reconduzido pelo pleno do STJ, em maio de 2019, ao cargo de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A indicação de Mário Henrique foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados em 15 de dezembro de 2020. Ele tinha 44 anos, mas só havia obtido seu registro junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2019, o que gerou questionamentos sobre sua notória inexperiência.

Um apoio decisivo foi do líder do Centrão e atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), também alvo de Lava Jato, para quem Mário Henrique “traz na sua bagagem condições e pré-requisitos absolutamente necessários e indispensáveis para ser o representante da Câmara dos Deputados no CNJ”.

Eu, Felipe, também estou narrando fatos objetivos. Não vou adjetivar. Mas cada um fará a interpretação que lhe parece melhor…

“Não foi a juíza que criou”

Barroso ainda reforçou que “não foi a juíza que criou” a fundação privada, fruto de uma “questionável ideia, no mínimo, para não dizer infeliz” do MPF.

“E quem ler o voto do ministro Alexandre de Moraes, na verdade a decisão monocrática, [verá que] a crítica dele, dura e severa, é dirigida ao MPF. Da juíza, ela só diz que era incompetente. E diz que o acordo era inconstitucional. Ou seja: as duas imputações que constam desse processo.”

Ao contestar a questão de ordem, Barroso ainda mostrou que, “pelo regimento interno do CNJ, vigente quando houve o pedido de destaque, esses votos [os 8 já proferidos] valem, mesmo que os conselheiros já tenham se retirado do Conselho”.

Depois, voltou ao ponto central da discussão.

“Nós estamos aqui diante de uma questão de Direito: juiz incompetente, se homologar um acordo, comete uma infração disciplinar? E a segunda: se o acordo for [considerado] inconstitucional [por ministro de tribunal superior], existe infração disciplinar? A resposta me parece desenganadamente negativa, com todas as vênias.

Sim, prezados colegas, não consigo vislumbrar nenhum fundamento legítimo para anulação. É gravíssima. Então, depois que iniciou o julgamento com 8 votos, se mudar o corregedor e ele tem uma posição diferente, anula-se o julgamento anterior?

Por mais respeitável que seja a posição do corregedor, qual é o fundamento em processo civil – um ponto zero – para anular um julgamento: error in procedendo [erro de procedimento]. As imputações aqui são evidentemente de error in judicando [erro de julgamento]. Ato jurisdicional puro de homologação(!) de uma sentença, sem nenhuma imputação de vantagem indevida. Uma juíza substituta homologando um acordo num momento em que a Lava Jato desfrutava de grande credibilidade.”

“Não me parece a solução adequada”
Para Barroso, que reiterou a crítica a pedidos de vista anteriores, “considerar isso uma infração disciplinar não me parece a solução adequada”.

“Eu considero que a represália desse Conselho a uma decisão jurisdicional porque os ventos mudaram é um fator que vai contaminar negativamente toda a magistratura, porque o juiz vai ficar com medo de, se mudar o governo, ou se mudar a onda, ele pode ser responsabilizado pela convicção que tinha naquele momento, que pode até mudar, mas a gente não pode julgar os fatos fora do seu contexto. E o contexto em que essa juíza julgou essa homologação não revela a mais mínima infração disciplinar. Se houver alguma apurada supervenientemente [de modo subsequente, que acontece depois], serei o primeiro a apoiar a apuração. Não apoio nada que seja errado, venha de quem vier. Mas aqui não vi, não ocorreu, não me parece que haja fatos supervenientes. E não me parece um precedente bom para este Conselho Nacional de Justiça anular um julgamento porque alguém não gosta do resultado que se alinhavou, inclusive de um conselheiro que reteve por mais de dois anos o desfecho do julgamento, porque produziria um resultado que, por qualquer razão, ele poderia não achar bom. Tudo errado. Eu voto contrariamente à questão de ordem, porque não vejo razão para anulação de um julgamento que já tinha 8 votos proferidos.”

“Talento”
Salomão, então, fingiu que não havia feito esse pedido, foi confrontado por Barroso, reverenciou o “talento” do presidente do Conselho, mas seguiu buscando uma brecha para atingir seus objetivos.

Eis o embate:

“Eu não tratei da validade ainda desses votos (…). Eu imagino que o julgamento vai se iniciar de agora em diante se ultrapassada a questão de ordem (…).”

“Vossa Excelência não propôs a anulação do julgamento?”

“Eu propus a anulação do julgamento como uma única forma de permitir esse não arquivamento, e que fosse apensado esse caso ao outro para lá decidir de uma vez só. Isso é o que eu propus. Agora, se for necessário mudar a palavra de ‘anulação’ para ‘reinício’ ou ‘conversão do julgamento em diligência’, para mim tá tudo certo. O que eu não acho que seja razoável agora é que… [o caso seja arquivado. O ponto é que] o talento de Vossa Excelência é muito grande e, nós ouvindo a sua argumentação, eu já quase aqui falei ‘poxa, será que eu fiz toda a leitura errada?’, mas eu ainda continuo achando que é um caso de se apensar ao outro. Como que isso vai acontecer é outra questão. Essa é minha questão de ordem.”

“Eu entendo. Vossa Excelência, claramente, falou ‘anulação do julgamento’. Pode até reformular a questão de ordem. Mas claramente esse foi o pedido. E acho que Vossa Excelência tinha toda a razão, porque não há como se negar o arquivamento no meio do julgamento, se já há 8 votos pelo arquivamento.”

“Eu não considero os 8 votos ainda tomados.”

“Então Vossa Excelência está anulando o julgamento.”

“Estou propondo uma questão de ordem para não ser arquivado agora e, sim, discutida essa matéria lá, em cognição mais ampla.”

“Certo.”

“Essa é a minha questão de ordem.”

“Certo. Então Vossa Excelência está reformulando a questão de ordem, porque a questão de ordem inicial era a anulação do julgamento. Eu continuo achando que uma rosa, mesmo que sob outro nome, se tiver o mesmo cheiro, continua a ser uma rosa. E, portanto, não há como interromper o julgamento já iniciado, para dar um resultado diverso, sem anular o que foi feito. Portanto, eu acho que a questão de ordem aqui é saber se nós vamos continuar o julgamento ou se vamos invalidar o julgamento e dar uma solução diversa daquela que os 8 conselheiros manifestaram.”

Objetivo delimitado
Barroso, então, reiterou os dois únicos pontos em discussão na sessão e afirmou que “tudo o mais que Vossa Excelência queira agregar tem que merecer um novo PAD [Processo Administrativo Disciplinar], porque esse aqui tem um objeto delimitado”.

“É que aqui a conduta é a homologação do acordo e não o que gerou o vício da homologação”, disse o corregedor, que então centrou suas forças, enrolando-se todo, em manifestar preocupação com a hipótese de que, uma vez arquivado o PAD em julgamento, ele ficasse “interditado de tratar desse tema lá na outra correição”.

Salomão buscava, na prática, garantir a possibilidade de punir Gabriela por uma conversa fora dos autos com um “promotor e interessado na homologação”.

Barroso não endossou

Barroso não endossou qualquer acusação preliminar, mas concordou com a não interdição da apuração do corregedor sobre eventuais irregularidades anteriores que possam ter contaminado a decisão. Mesmo assim, seguiu-se um novo embate:

“Temos um consenso aqui e que podemos encaminhá-lo neste sentido. Eu estou de pleno acordo com o que o iminente corregedor acabou de falar: se a correição apurar que houve uma conduta irregular na homologação do acordo, reabre-se o PAD.”

“Aí é que tá. Eu acho que não pode é arquivar agora, tendo essa denúncia. Eu sou contra o arquivamento imediato.”

“Não. Eu estou propondo ao Conselho que se reconheça que, neste caso, se discutem duas questões de Direito: incompetência e homologação de um acordo inconstitucional, porque este é o pedido. Mas, apurado em correição extraordinária que foi praticado algum ato irregular que levou à homologação, imediatamente reabra-se à persecução administrativa.”

“Por que não se aguardar lá [a correição]?”

“Porque nós não devemos interromper um julgamentos com 8 votos já proferidos com base em uma correição cujo resultado não se sabe.”

“Não é com base na correição, presidente.”

“Ué. Então é com base em quê?”

“É com base na decisão da ADPF, nos elementos que eu pude trazer aqui. Qual é o prejuízo para as partes que de ser apurado adequada e cabalmente lá?”

“Bom, Vossa Excelência foi juiz de Direito, foi líder associativo e qualquer cidadão sabe o peso que tem sobre a vida de cada um ficar com três anos de um processo penal ou de um processo administrativo sobre alguém.”

“Já tem RD [Reclamação Disciplinar] lá.”

“Não, não. Tem uma correição extraordinária sem nada…”

“Tem uma reclamação disciplinar, desculpe. Tem uma reclamação que trata desses fatos.”

Vingança

Foi nesse momento que Barroso apontou a vingança do sistema, como havia feito no julgamento da suspeição de Moro.

“Eu só posso julgar o que chega aqui. O que chega aqui é uma revisão criminal que, com todas as vênias, não pode prosperar. A menos que nós consideremos que ato jurisdicional é passível de punição [o que não é]. O que é passível de punição é se a correição apurar. E a ADPF julgada pelo ministro Alexandre [de Moraes], tudo o que [ele] disse em relação à juíza é que ela era incompetente [no sentido de não ter jurisdição para decidir]. Não há nenhuma imputação à juíza. Há críticas duras ao MPF por criar uma fundação privada, mas nenhuma referência à conduta imprópria da juíza, salvo a homologação de um acordo que ele considerou inconstitucional. Não há nenhuma imputação, nenhuma suspeição levantada na ADPF contra a juíza. E, portanto, com todo o respeito, e não imputando isso à Vossa Excelência, mas a um sentimento social que se formou, estão se vingando dessa moça.

Quando aparecer um fato relevante, se aparecer – e eu apontei os fatos que eu considerei errados na Lava Jato, ninguém aqui deve passar a mão sobre coisas erradas –, mas eu não vi nenhum ato dessa moça que possa justificar um processo administrativo. E nem é uma pessoa de má fama. É uma pessoa que homologou um acordo do MPF. Não foi um acordo de uma parte privada suspeita. Foi um acordo de um MPF que, eu repito, naquele momento – porque as memórias se apagam – a Lava Jato ainda desfrutava de uma credibilidade global. Não era nem nacional. O mundo reverenciava a Lava Jato. E, portanto, os ventos mudaram, com maior ou com menor razão.

Porém, julgar isso fora do contexto, como se ela estivesse atuando em alguma coisa gelatinosa me parece que é uma atitude que eu não considero correta. Mas, se a correição extraordinária encontrar um fato diferente da inconstitucionalidade do acordo, ou diferente da incompetência, eu estou pronto – a qualquer hora que se encontrar um fato objetivamente errado – a reabrir um PAD. Agora, deixar um PAD com julgamento iniciado, que não foi concluído por um comportamento artificioso, à espera de se encontrar numa correição extraordinária anos depois alguma coisa que possa macular a vida, a carreira dessa moça que eu não conheço, nunca vi, não me parece uma decisão apropriada.

Portanto, o meu voto é: deve-se concluir esse julgamento para saber se juiz incompetente ou que pratica um ato inconstitucional cometeu infração, e a minha resposta me parece negativa, e aguardar, e eu já faria a ressalva em respeito à posição do corregedor, que se [porventura] se encontrar qualquer fato, que se abra um novo processo disciplinar, mas este está balizado pela representação e pelo pedido. E a representação e o pedido só têm esses dois fundamentos a que eu me referi.”

Até encontrar
Mais adiante, Barroso voltou a enfatizar “a situação dessa moça”, criticou novamente o conselheiro que parou o julgamento “artificialmente, sem justificativa”, e repudiou a intenção de Salomão de mantê-lo em vigor até encontrar “alguma coisa errada”.

“Desde 2019, paira sobre ela, uma juíza, um processo administrativo disciplinar cujas consequências podem ser graves. Basta qualquer um de nós se colocar no lugar de alguém que esteja sofrendo um processo penal que fique durante 4 anos inconcluso. Eu mesmo no Supremo, e olha que sou um juiz sério em matéria penal, quando em relação a um senador que era investigado, se prorrogou o inquérito uma vez, se prorrogou duas, três, quatro vezes sem aparecer nenhum fato novo relevante, eu intimei a Polícia Federal e disse: ‘Não prorrogo mais. Se não apresentar um fato novo, eu vou extinguir.’ Não apresentou, eu extingui. Porque ninguém na vida deve estar sujeito a ficar quatro anos sujeito a um inquérito que não termina. Portanto, jogar isso pra frente mais ainda, ainda mais com cobertura midiática expondo essa moça que homologou um acordo, não desviou dinheiro, não, homologou um acordo.”

“Presidente, me permita só um complemento para tentar também contribuir e encontrar uma solução. Se eu me comprometer a dois meses a trazer o caso dela para abrir ou não abrir o PAD, e encerrar ou não encerrar…

“A minha posição aqui…”

“Eu tô tentando compor…”

“Então. Eu acho que a composição é: termina um julgamento que já começou e foi parado artificialmente, sem justificativa, por argumentos extra petita [além do pedido, ou seja, em desacordo com o pedido ou a natureza da causa]. Esse julgamento tem que acabar. E eu me comprometo com Vossa Excelência de pautar imediatamente se Vossa Excelência trouxer um fato novo e propuser a abertura de um processo administrativo, porque o que Vossa Excelência vai apurar na correição não é incompetência, não é inconstitucionalidade. O que Vossa Excelência vai apurar na correição é se esta juíza teve alguma motivação ilegítima para homologar o acordo. E aí, se Vossa Excelência apurar isso, é um fato absolutamente novo, que justifica a reabertura. Agora, não concluir o julgamento porque Vossa Excelência tá procurando pra ver se acha alguma coisa errada, com todo o respeito…”

“Não é isso, ninguém tá procurando.”

“Mas é uma correição extraordinária depois de três anos de julgamento!”

“Eu tenho 30 processos disciplinares pra trazer. Não são dois ou três, não. Tem 30, envolvendo até os desembargadores.”

“Então vamos extinguir este e começar outro se precisar.”

Aderiu
Salomão acabou aderindo à proposta do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello “no sentido de que a questão de ordem é para apensar este feito à outra RD que já existe, a 6135, com o prazo fixado de até dois meses para eu trazer a plenário”.

Barroso manteve a divergência.

“A proposta do ministro Salomão, eu continuo a considerar que é a anulação do julgamento já iniciado, porque apensar é diferente de arquivar, que é a votação iniciada. Porém, nós não vamos chegar a uma posição comum sobre isso. Eu respeito e vou respeitar o plenário. Não aceitei as sugestões de adiantamento, porque eu não acho que a manipulação de prazos para conseguir voto ou para mudar alguma coisa seja legítima. Eu não faço isso. Na vida, a gente deve viver o que prega. Portanto, se a maioria entender que deve anular o julgamento, anula o julgamento. Paciência, vou lamentar, mas faz parte da vida num colegiado. Mas eu repito que eu acho que é errado o que estará acontecendo.”

Barroso então passou a palavra para o conselheiro Guilherme Caputo Bastos, que pediu vista regimental, após registrar que já eram 18h “e alguns poucos minutos, depois de um dia bastante atribulado para todos nós”.

O presidente do STF e do CNJ proclamou o resultado provisório:

“Após o voto do corregedor no sentido de apensação do presente PAD à RD (6135) já iniciada e do voto divergente do ministro Luís Roberto Barroso que entendeu não haver nulidade do julgamento, que deveria ser concluído, pediu vista o conselheiro Guilherme Caputo Bastos; aguardam os demais. O ministro corregedor afirmou que trará o procedimento em dois meses e o ministro presidente propôs a conclusão do julgamento e a abertura de novo processo disciplinar na hipótese de se encontrar alguma infração na correição extraordinária.”

“Obrigado, presidente”, disse Salomão, dando-se por satisfeito.

Dar legitimidade às suspeitas
Com isso, o corregedor conseguiu a margem que queria para “dar ares de legitimidade às suspeitas levantadas” por Gilmar Mendes e Dias Toffoli contra a Lava Jato, como comentei no X cinco meses antes, em 19 de setembro de 2023.

Resultado: a narrativa vazada na imprensa amiga nesta terça-feira, 16 de abril, a partir de relatório de Salomão, é de que Gabriela Hardt, Sergio Moro e Deltan Dallagnol se uniram para “promover o desvio” de 2,5 bilhões de reais.

“O desvio de dinheiro só não se consumou em razão de decisão do Supremo Tribunal Federal”, alegou, providencialmente, o corregedor cotado para o STF.

Resta saber se Barroso voltará a confrontar essa narrativa, que, inclusive na exaltação do Supremo, já estava pronta antes da correição, a julgar por declarações públicas de Gilmar. Em 5 de janeiro de 2023, por exemplo, o decano disparou:

“Eu só não adivinhei que eles (Moro e Dallagnol) estavam montando uma máquina pra fazer dinheiro. Porque a Fundação Dallagnol ia manejar R$ 2,5 bi com dinheiro público pra fazer política, que eles diziam que era combate à corrupção. Era política.”

Lula, que prometeu se vingar da Lava Jato, já pode preparar a caneta.

Na vingança do sistema, Salomão cumpriu o seu papel.


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