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Escola suspende por tempo indeterminado alunas acusadas de racismo contra filha da atriz Samara Felippo em SP
Alunas do 9° ano pegaram um caderno da garota negra de 14 anos, arrancaram as folhas e escreveram ofensas raciais em uma das páginas. Escola não descarta outras punições, enquanto mãe da menina ofendida pede expulsão das agressoras do colégio.
Alunas do 9° ano pegaram um caderno da garota negra de 14 anos, arrancaram as folhas e escreveram ofensas raciais em uma das páginas. Escola não descarta outras punições, enquanto mãe da menina ofendida pede expulsão das agressoras do colégio.
A escola de alto padrão Vera Cruz, na Zona Oeste de São Paulo, suspendeu por tempo indeterminado as duas alunas acusadas de ato de racismo contra uma das filhas da atriz Samara Felippo na semana passada.
O episódio foi narrado pela atriz ao g1 neste sábado (27), quando Felippo contou que a menina negra de 14 anos teve o caderno rasgado e rasurado com frases racistas escritas pelas adolescentes punidas.
A vítima é filha de Samara com o ex-jogador de basquete Leandro Barbosa, o Leandrinho, que mora nos Estados Unidos, e atualmente tem mais duas filhas com outra mulher.
Em comunicado interno às famílias, ao qual o g1 teve acesso, o coordenador pedagógico do Vera Cruz – Daniel Helene – narrou às famílias as punições que as duas meninas do 9º ano receberam do colégio, após terem sido descobertas como autoras da agressão.
“Na quinta-feira, dia 25 de abril, as alunas agressoras foram convocadas pela Escola para devolução das folhas arrancadas do caderno, bem como para serem informadas oficial e presencialmente das sanções que seriam aplicadas a elas. As sanções envolvem a proibição da participação delas na viagem de Estudo do Meio na Serra da Canastra e uma suspensão por tempo indeterminado, iniciada na própria quinta-feira”, disse Helene.
O coordenador do Vera Cruz também não descartou outras punições às duas alunas.
“A suspensão se encerrará quando entendermos que concluímos nossas reflexões sobre sanções e reparações, que ainda seguimos fazendo – fato também comunicado a todas as famílias diretamente envolvidas. Ressaltamos que outras medidas punitivas poderão ser tomadas, se assim julgarmos necessárias após nosso intenso debate educacional, considerando também o combate inequívoco ao racismo”, escreveu.
“As ações punitivas são determinadas conforme regras e procedimentos institucionais, que levam em consideração os sentidos das punições no ambiente escolar. As sanções foram definidas pela equipe de Orientação, Coordenação e Direção, considerando a gravidade das ofensas. É importante sublinhar que as alunas não reincidiram em agressões racistas; a Escola nunca havia tomado conhecimento de qualquer atitude racista de ambas as alunas. Ações de reparação ainda serão definidas”, declarou o coordenador.
Pedido de expulsão
O Vera Cruz é uma das escolas mais tradicionais e caras da capital paulista. A mensalidade custa cerca de R$ 4.928,00 por mês para alunos do 9° ano e R$ 5.344,00 para estudantes do ensino médio.
O colégio tem um intenso trabalho de educação antirracista e apresentou o projeto inclusive na sede da Organizações das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, durante a 3ª Sessão do Fórum de Pessoas Afrodescendentes.
“Construir uma escola e uma pedagogia antirracistas são desafios assumidos por toda a nossa comunidade escolar, com senso de urgência e responsabilidade social. Nosso Projeto para as Relações Étnico-Raciais é uma iniciativa ambiciosa que permite a oferta de bolsas de estudo para alunos pretos, pardos e indígenas na Escola Vera Cruz”, declara a escola nas redes sociais.
Oficialmente, o colégio ainda não se pronunciou sobre o episódio envolvendo a filha de Samara e Leandrinho. O g1 procurou a Escola Vera Cruz por e-mail neste sábado (27), mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Mas Samara Felippo afirmou que quer a expulsão das duas alunas do colégio, para que as filhas não sejam alvo de novos atos racistas.
“Pedi expulsão das alunas acusadas pois não vejo outra alternativa para um crime previsto em lei e que a escola insiste relativizar. Fora segurança e saúde mental da minha filha e de outros alunos negros e atípicos se elas continuarem frequentando escola. Não é um caso isolado, que isso fique claro”, disse ela ao g1.
“Eu sinceramente quero que as pessoas envolvidas – as agressoras, né, que são meninas de 15 anos, idade da minha filha – se reabilitem mesmo. Quero o bem delas, eu não quero mal de ninguém. Eu só quero que não convivam no mesmo espaço, onde poderão futuramente humilhar novamente e ofender e cometer outros atos de racismo contra ela [filha]”, declarou a atriz.
A atriz registrou boletim de ocorrência e afirmou que ainda não definiu se vai tirar a filha da escola.
“Ainda estou digerindo tudo e talvez nunca consiga, cada vez que olho o caderno dela ou vejo ela debruçada sobre a mesa refazendo cada página dói na alma. Choro. É um choro muito doído. Mas agora estou chorando de indignação também.”
Samara contou, ainda, que a filha quis falar com as duas alunas para tentar entender o motivo da agressão. “Foi ela que pediu uma reunião com as garotas. Ela foi super bonita, digna, forte, empoderada, entender, né? Tentar olhar na cara delas, entender o motivo daquele ato tão agressivo, tão violento e explicar para elas que isso é crime, que ela sabe que isso é crime”, disse.
A atriz diz que faz trabalho de “letramento no racismo” com as filhas desde que elas eram pequenas.
“Desde sempre eu nomeei o racismo. Eu disse que o racismo poderia, infelizmente, visitá-las na vida delas. E eu acho que quando ela se prontificou para querer estar com as meninas, em uma sala, para entender o motivo que aquelas meninas tinham feito aquilo, eu perguntei na hora se ela estava forte para isso. E ela disse sim.”
Episódios anteriores
Samara diz que a filha já havia passado por episódios de preconceito anteriores, mas que só agora o “racismo se materializou”.
“Antes, ela queria não enxergar. Doía ver, só queria fazer parte de uma turma e era excluída de trabalhos, grupos, passeios, aceitava qualquer migalha e deboche feito pelas mesmas garotas, e seu nome sempre era jogado em fofocas, ‘disse me disse’ e culpada por atos que não cometia. Lembrando do caso do carregador que sumiu numa festa e a única acusada foi ela. [Não atribuo aqui esse caso as atuais agressora].”
A atriz afirma querer levantar um debate sobre o que uma escola precisa fazer para ser considerada antirracista – como se coloca o Vera Cruz.
“Tem algumas coisas na escola que eu não concordo. A política de cotas que eles adotam vai só até o quinto ano. Então, um adolescente negro que vai para a escola no sétimo, no oitavo, no nono ano, não vai se sentir representado, vai ser um ambiente hostil, majoritariamente branco. Eu quero levantar um debate assim: o que é uma escola antirracista de qualidade?”
“Porque essas meninas [que agrediram a filha da atriz] estudam desde sempre no Vera [Cruz], e cometem um tipo de ato como esse. Então, não está fazendo efeito, você não está fazendo efeito (…) Tem que refazer, tem que repensar, tem que fazer mais.”