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Política

Câmara aprova PL Antifacção do combate ao crime organizado com penas mais rígidas de até 66 Anos; Deputados do PT votaram contra

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Em votação tensa, projeto que define facções como “ultraviolentas” e endurece regras prisionais segue para o Senado; texto aprovado é um substitutivo ao PL Antifacção do governo

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (18) o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, uma proposta que representa a resposta legislativa mais dura já tomada pelo Congresso Nacional contra facções criminosas e milícias. O texto-base, um substitutivo ao projeto original do governo (PL 5.582/2025), foi aprovado com 370 votos a favor e 110 contrários após semanas de intensas negociações e várias versões do relatório .

O projeto, de autoria do Executivo e batizado de “PL Antifacção”, foi radicalmente modificado pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que apresentou quatro versões de seu parecer até chegar ao texto final. O Marco Legal introduz na legislação brasileira o conceito de “organização criminosa ultraviolenta” e estabelece penas que podem variar de 20 a 40 anos de reclusão, podendo superar 60 anos para os líderes dessas organizações .

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu a versão final, classificando-a como “a resposta mais dura da história da Casa no combate às facções criminosas” . A votação ocorreu em um clima de forte tensão política, com a base governista criticando diversas alterações feitas por Derrite ao texto original do Planalto.

O Conceito de “Domínio Social Estruturado”: O Coração da Nova Lei

A grande inovação jurídica do texto aprovado é a tipificação do “domínio social estruturado”. O legislador buscou criar uma categoria específica para diferenciar o criminoso comum daquele que exerce poder territorial absoluto — uma realidade visível em comunidades dominadas por milícias e facções no Rio de Janeiro e em São Paulo.

O que configura esse crime?

Pela nova lei, não basta apenas vender drogas ou cometer ilícitos. O crime de domínio social estruturado ocorre quando um grupo armado:

  • Exerce controle territorial ostensivo sobre uma região;

  • Impede a entrada de serviços públicos ou forças de segurança;

  • Cobra taxas ilegais de moradores ou comerciantes (o famoso “pedágio” da milícia);

  • Substitui o Estado na oferta de serviços básicos (gás, internet, luz) de forma coercitiva.

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Penas que podem chegar a 66 anos

A resposta penal aprovada é severa e inédita no ordenamento brasileiro. A pena base para quem for condenado por exercer esse domínio varia de 20 a 40 anos de reclusão.

No entanto, o texto cria agravantes que podem elevar a punição final a até 66 anos de prisão. Fatores como o uso de armamento de guerra (fuzis, granadas), a utilização de tecnologia avançada (drones para monitoramento ou ataque) e a posição de liderança na hierarquia do grupo são multiplicadores da pena. O objetivo claro é retirar de circulação, de forma permanente, as cabeças pensantes das organizações.

Comparativo: do original ao aprovado

A tabela abaixo mostra as principais diferenças entre a proposta original do governo e o texto aprovado na Câmara:

Aspecto Projeto Original do Governo Texto Aprovado na Câmara
Enquadramento Atualização da Lei de Organizações Criminosas Inclusão de condutas na Lei Antiterrorismo e conceito de “ultraviolenta”
Penas 5 a 10 anos (base); até 30 anos (qualificada) 20 a 40 anos (base); até 60+ anos para líderes
Competência Competência concorrente (PF e polícias estaduais) Primazia estadual, com atuação “cooperativa” da PF
Terrorismo Não equiparava facções a terrorismo Equiparação de penas, mas não enquadramento como terrorismo
Destino de bens Não especificado detalhadamente Rateio entre Funapol (PF) e fundos estaduais de segurança

Regime Disciplinar: O Fim das “Regalias” para Chefes de Facção

Um dos pontos mais celebrados pela bancada da segurança pública — e mais criticados por garantistas — é o endurecimento do cumprimento da pena. O projeto ataca diretamente a comunicação intramuros, considerada o calcanhar de Aquiles do sistema prisional atual.

Isolamento Total

Líderes de organizações criminosas condenados sob este novo marco deverão, obrigatoriamente, iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos federais de segurança máxima. A progressão de regime para esses detentos torna-se praticamente impossível nos moldes atuais, vedando-se benefícios como:

  • Anistia;

  • Graça;

  • Indulto;

  • Liberdade Condicional.

O Monitoramento do Parlatório

Talvez a medida mais polêmica na prática forense seja a autorização para monitorar visitas. O texto permite que encontros no parlatório (onde o preso fala com visitantes através de vidro) e visitas virtuais sejam gravados em áudio e vídeo.

A justificativa do relator é que ordens de execução e gestão financeira do crime continuam saindo dos presídios através de códigos passados a familiares e advogados. Com a nova lei, a “privacidade” da conversa cede espaço à segurança pública quando houver indícios de que a visita está sendo usada para fins criminosos.

A Batalha Política: Governo Federal vs. Relator

Embora o projeto tenha nascido de uma iniciativa do Ministério da Justiça, o texto final aprovado é muito diferente do original, gerando um atrito público entre o Palácio do Planalto e o relator Guilherme Derrite.

A Acusação de “Desfiguração”

A base governista argumenta que o projeto foi “sequestrado” politicamente. O governo Lula enviou uma proposta focada na inteligência financeira e na integração de dados. Derrite, egresso da Rota e ex-secretário de Segurança de São Paulo, incluiu medidas de enfrentamento direto e endurecimento penal que, segundo o PT, não resolvem a raiz do problema e apenas superlotam presídios.

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou a classificar a votação como uma derrota estratégica para o governo, alegando que o texto final cria uma “legislação de guerra em tempo de paz” sem a devida calibragem constitucional.

A Polêmica da Polícia Federal (PF)

O ponto de maior tensão envolveu a autonomia da Polícia Federal. Versões preliminares do relatório sugeriam que governadores poderiam ter maior ingerência sobre investigações federais ou limitar a atuação da PF em crimes estaduais.

Após forte reação da corporação e de delegados, Derrite recuou em trechos que retiravam competências da Receita Federal e da PF, mas manteve dispositivos que alteram a destinação de bens apreendidos. Em vez de irem para o Fundo Nacional Antidrogas (gerido de forma mais autônoma), os recursos irão para o Fundo Nacional de Segurança Pública, o que, na visão da oposição, pode descapitalizar operações específicas da Polícia Federal.

As medidas mais duras do novo marco

O texto aprovado estabelece um conjunto de medidas severas para desarticular as organizações criminosas em três frentes: penal, financeira e operacional.

1. Endurecimento Penal e Prisional

  • Regime Disciplinar Diferenciado: Proibição de graça, anistia, indulto ou liberdade condicional para condenados por crimes hediondos praticados por organizações criminosas ultraviolentas .

  • Progressão de Regime Mais Rigorosa: Os percentuais máximos para progressão podem variar de 70% a 85% da pena, dependendo da gravidade do caso e do envolvimento do condenado .

  • Isolamento de Líderes: Líderes de facções serão enviados diretamente para presídios federais para evitar que continuem comandando atividades criminosas de dentro dos presídios .

  • Monitoramento de Advogados: Encontros entre presos e advogados poderão ser gravados mediante autorização judicial, com o objetivo de impedir que despachos forenses sejam usados para passar ordens criminosas .

Asfixia Financeira: A Nova Lógica de Apreensão de Bens

Especialistas em segurança pública concordam que prender lideranças sem cortar o fluxo de caixa é enxugar gelo. O PL Antifacção traz mudanças drásticas na forma como o Estado lida com o patrimônio do crime.

A principal mudança é a possibilidade de perdimento antecipado de bens. Pela regra anterior, o Estado só podia tomar definitivamente uma mansão, carro de luxo ou conta bancária após o “trânsito em julgado” (fim de todos os recursos), o que levava décadas.

Com o novo texto, se houver risco de o patrimônio ser dissipado ou usado para financiar novos crimes, o juiz pode decretar a perda dos bens ainda na fase de inquérito ou instrução, caso a origem lícita não seja comprovada. A lógica inverte-se: cabe ao suspeito provar que comprou a Ferrari com dinheiro de trabalho honesto, e não apenas ao Estado provar que foi com dinheiro do tráfico.

Próximos Passos: O Senado e o “Freio de Arrumação”

A aprovação na Câmara foi avassaladora em números, mas o jogo não acabou. O texto agora segue para o Senado Federal, onde o ritmo tende a ser diferente.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já indicou que o relator na Casa revisora será Alessandro Vieira (MDB-SE). Delegado de polícia de carreira e senador com perfil técnico, Vieira deve atuar como um “filtro”, analisando a constitucionalidade das penas de 66 anos e os dispositivos de monitoramento de advogados e visitas.

O que esperar:

  1. Revisão Técnica: É provável que o Senado suavize trechos que possam ser derrubados posteriormente pelo STF.

  2. Sanção Presidencial: Se aprovado no Senado, o texto vai à mesa do Presidente Lula. A tendência é que haja vetos pontuais, especialmente nos artigos que o governo considera que enfraquecem a gestão federal da segurança pública.

O Brasil amanhece com uma nova bússola no combate ao crime organizado. Resta saber se ela apontará para uma redução efetiva da violência ou para um novo ciclo de batalhas jurídicas nos tribunais superiores.


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